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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Memória póstumas de Alan Mathison Turing

Por Fábio Henrique Viduani Martinez, no LNO

Oi Nassif,

Sou professor de Computação e esta onda bolsonaro-homofóbica é deprimente.
Escrevi um texto para meus alunos, que segue abaixo.

Saudações, parabéns pela sua página e obrigado pelo espaço.

Fábio

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Conhecimento, Intolerância e o Pai da Ciência da Computação

Nasci em Londres, em 23 de junho de 1912, numa família de classe média
alta. Minha infância foi tradicional, brinquei, estudei e tive os
cuidados de minha amável família. Minha mãe diz que cresci tímido,
temperamental - às vezes melancólico, outras vivaz - e muito fascinado
pelo conhecimento. Mas qual mãe não diria isso de seu filho?

Fui percorrendo minha adolescência sem muitos percalços, apenas
algumas descobertas. Percebi especialmente que gostava muito de um
rapaz amigo meu, Christopher Morcom, que veio a falecer em 1930. Puxa,
essa perda foi difícil para mim.

Como gostava muito de estudar, fui logo parar no King's College, na
Cambridge University. Matemática era muito divertido e eu gostava

>bastante de Lógica. Tanto que em 1936 foi publicado um trabalho com
minha definição de Computação e com os limites do que poderia ser
computável. Nós ainda não tínhamos esta máquina que hoje todos chamam
de computador, mas eu tinha impressão que não seria difícil
construí-la. Talvez então por esse trabalho, as pessoas têm dito por
aí que fundei a Ciência da Computação.

Fui convidado em seguida a trabalhar em Princeton, nos EUA. Foi um
período muito proveitoso, mas já em 1938 voltei para Londres,
sentia saudades da comida da minha mãe. Logo que cheguei, fui
recrutado em Bletchley Park, o quartel general das comunicações do
governo britânico. A Segunda Guerra Mundial tinha se tornado
realidade. Trabalhei ali de 1939 a 1945, onde fui responsável
especialmente pela decifragem dos códigos transmitidos pela máquina
Enigma da Alemanha nazista e tive contato com a mais moderna
tecnologia eletrônica da época. Até cheguei a construir um computador
depois disso, mas como ainda tinha de trabalhar em segredo, não
consegui rivalizar com os americanos e meus esforços não foram
reconhecidos.

Além da Lógica Matemática, da Criptologia e da Eletrônica, também
investiguei as conexões entre as capacidades de computação e do
cérebro. Por essas investigações, também fiquei conhecido como um dos
precursores da Inteligência Artificial.

Em 1948 mudei-me para Manchester e fui trabalhar na construção de
programas para computadores na Manchester University. Mas me mantive
um livre pensador, trabalhando ecleticamente em diversas áreas. Em
1950 escrevi um artigo que, todos dizem, construiu a fundamentação da
Inteligência Artificial. Em 1952, apliquei também a Matemática à
Biologia e obtive resultados interessantes em morfogênese. Eu estava
trabalhando muito, sentia-me bem e muito entusiasmado.

Mas um acontecimento me tomou de surpresa neste ano de 1952. Como já
lhes contei, eu tinha meus gostos, minhas inclinações sexuais, e
estava apaixonado por um rapaz aqui de Manchester. Nossa relação era
como de qualquer outro casal, andávamos nos parques da cidade de mãos
dadas, parávamos nos cafés e trocávamos carinhos, às vezes nos
detínhamos e nos beijávamos docemente. Nosso desejo se traduzia como o
de qualquer par apaixonado, em relações sexuais ternas e saudáveis. No
entanto, numa manhã de 1952, fui preso, acusado de comportamento
público impróprio, ou melhor, de atos de indecência nojenta, como me
disseram enquanto me arrastavam para fora de casa. Para evitar anos de
cadeia, aceitei um tratamento com hormônios femininos, isto é, uma
tentativa de castração química. Foi engraçado, o tratamento me fez
crescerem os seios. Fui demitido de alguns postos e já não podia mais
trabalhar com os segredos de Estado e com criptoanálise. Felizmente,
não conseguiram refrear meu comportamento libertário e continuei
estudando, pesquisando e me aventurando em outras áreas como a Física.

Antes de completar meus 42 anos, mais precisamente em 7 de junho de
1954, aconteceu o que eles esperavam. Fui morto, envenenado por
cianeto. Algumas pessoas têm dito que cometi suicídio, mas eu não me
importo, acho até que essa poderia ter sido a saída, porque aqueles
últimos anos foram um pouco difíceis para mim. Puxa, meus trabalhos
estavam indo tão bem, eu tinha tantas idéias.

Fico imaginando daqui do Além que, com um pouco de conhecimento, a
sociedade que me levou à morte poderia facilmente ter me poupado. É
fácil verificar, mesmo naquela época sem o Google, que não existem
relatos de civilizações que não façam referência ao
homossexualismo. Também, os trabalhos de Hamilton em 1914 e de Kempf
em 1917, entre outros, são ricos em apresentar interações homossexuais
entre as mais diversas espécies animais: ratos, coelhos, porcos-espinhos,
cães, gatos, cabritos, bois, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até
leões. É, talvez meu comportamento não seja assim tão antinatural como
queriam me fazer pensar o governo britânico, as autoridades religiosas e a
sociedade em geral. Com um pouco mais de lucidez e informação, talvez
com um kit anti-homofobia distribuído pelo Ministério da Educação da
Inglaterra aos estudantes do segundo grau - aqueles que seriam a próxima
geração pensante -, eu pudesse ter tido um pouco mais de vida e talvez
tivesse contribuído ainda mais com a Ciência. Por fim, ainda reflito sobre
quantas pessoas como eu ainda serão mortas até que o conhecimento
redima a raça humana. Espero que não muito mais, porque já se passaram
quase 60 anos da minha morte.

Com a esperança de nos vermos em breve, despeço-me.

Alan Mathison Turing

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/memoria-postumas-de-alan-mathison-turing

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